17.3.04
Ciência
O mundo está escondido no nevoeiro. Sabemos que existe mais lá fora, mas não conseguimos ver.
Os únicos, que conseguem ver através do nevoeiro, só um pouco, mais um pouco que o resto
da humanidade, são os filósofos, são os cientistas. Os teólogos acreditam também que
conseguem ver coisas escondidas, mas há poucas provas.
Sabemos que há muita coisa lá fora. Sabemos que a verdadeira beleza do universo está escondida,
está em escalas de grandeza que estão fora do alcance da imaginação humana. Infelizmente
temos uma coisa em comum com os teólogos. Quando explicamos esta beleza, precisamos de pessoas
que acreditem, pessoas que acreditem porque acham que sabemos do que estamos a falar ou
porque também conseguem ver alguma coisa, pelo menos acham. Afinal somos todos narradores, contamos variações da mesma historia...
Afinal havia outro...
16.3.04
15.3.04
Facilmente aceitamos a realidade por intuirmos que nada é real
"- Perguntei-lhe o que sabia da Odisseia. A prática do grego era-lhe penosa; tive que repetir a pergunta.
- Muito pouco.- disse - Já se terão passado mais de mil e cem anos desde que a escrevi.
Ser imortal é insignificante; com excepção do homem todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se mortal. Doutrinada num exercício de séculos, a república dos homens imortais atingira a perfeicção da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito todas as coisas acontecem a todos os homens. Assim como nos jogos de azar os pares e os ímpares tendem para o equilíbrio, assim também o talento e a estupidez se anulam. O pensamento mais fugaz obedece a um desenho invisivel e pode coroar ou inaugurar uma forma secreta. Encarados assim, todos os actos são justos, mas também indiferentes. Não há méritos morais ou intelectuais. Homero escreveu a Odisseia; dado um prazo infinito, com infinitas circunstâncias ou mudanças, o impossível seria não se escrever, sequer uma vez, a Odisseia. Ninguém é alguém, um só homem imortal é todos os homens."
"Em qualquer acto onde o acaso esteja em jogo, é sempre o acaso que se cumpre. Quer ele se esconda, quer ele se confirme, é sempre o acaso que se manifesta". O infinito é bem pouca coisa e o universo está todo no papel. O Absoluto deverá conter o acaso como o infinito o finito. Procuramos em todo o lado a verdade e só nos aparecem coisas.
- Muito pouco.- disse - Já se terão passado mais de mil e cem anos desde que a escrevi.
Ser imortal é insignificante; com excepção do homem todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se mortal. Doutrinada num exercício de séculos, a república dos homens imortais atingira a perfeicção da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito todas as coisas acontecem a todos os homens. Assim como nos jogos de azar os pares e os ímpares tendem para o equilíbrio, assim também o talento e a estupidez se anulam. O pensamento mais fugaz obedece a um desenho invisivel e pode coroar ou inaugurar uma forma secreta. Encarados assim, todos os actos são justos, mas também indiferentes. Não há méritos morais ou intelectuais. Homero escreveu a Odisseia; dado um prazo infinito, com infinitas circunstâncias ou mudanças, o impossível seria não se escrever, sequer uma vez, a Odisseia. Ninguém é alguém, um só homem imortal é todos os homens."
"Em qualquer acto onde o acaso esteja em jogo, é sempre o acaso que se cumpre. Quer ele se esconda, quer ele se confirme, é sempre o acaso que se manifesta". O infinito é bem pouca coisa e o universo está todo no papel. O Absoluto deverá conter o acaso como o infinito o finito. Procuramos em todo o lado a verdade e só nos aparecem coisas.
8.3.04
A natureza gosta de brincar com legos
Desde a grécia clássica que se pensa que a natureza é feita de pequenas peças indivisíveis. Mas, por falta de técnica ou de disposição, os gregos eram melhores a conjecturar do que a observar e a ideia não progrediu muito durante vários séculos. Já no século XIX, foi proposto que a matéria seria composta por elementos indivisíveis (os átomos gregos) que se agrupavam na célebre tabela periódica. A ideia era interessante mas, como geralmente acontece, não era a história toda. Os átomos afinal não eram peças de lego, eram pequenas construções, que se podiam desfazer, dando origem a electrões e a núcleos. Os núcleos, por sua vez, seriam constituídos por protões e por neutrões, esses sim, indivisíveis. A natureza, no entanto, é que não estava de acordo: revelou mais uma camada e descobriu-se que os protões e os neutrões são feitos de quarks. E, como se não bastasse, o século XX revelou-nos a existência de seis tipos de quarks, seis leptões (o electrão e mais cinco irmãos) e várias outras partículas responsáveis pelas forças que nos governam. Será que iremos ficar por aqui?
Aqueles que nos pescam
"Algures no final da Idade Média, esquecendo as doutrinas de Aristóteles - sobre a exclusividade do facto de o motor imóvel estar voltado para si próprio - também se fez fé num Deus espectador do mundo. Como se Ele tivesse interrompido a sua eternidade só para isso, tendo-se todas as criaturas tornado larvas e máscaras" - os tamagotchis d'Ele - "num jogo do divino que as deixou crescer um pouco."
É mentira! Deus não tem vontade nem ver. A vida interna de um espirito não admite a existência de um espectador soberano, mas apenas de visitas ocasionais e longínquas. A ideia de que a parte de dentro de um homem pode ser vista de cima e julgada é a armadilha panóptica das religiões que assim sustentam a sua própria omnipotência. Foi assim que se fundou o desastre da vigilância absoluta. Sem deus, somos abandonados às forças, às nossas e às dos outros. Podia ser bem pior.
Mas então com que pode contar um homem já pálido, no meio de um naufrágio, longe de todos os cálculos? Ao princípio hesita-se. Experimenta-se a perplexidade, substância cinzenta que resulta da mistura de tudo o que está no mundo. A perplexidade é o único processo químico capaz de tornar inesgotáveis pedaços de tempo e de espaço.
A perplexidade antecipa o algoritmo do mundo, a explicação órfica da terra. Percebendo num vislumbre que há instantes simples que quase revelam tudo, o náufrago desenvolve uma esperança. Mas a verdade foge sempre. E é essa a estaca em que os melhores homens se aguentam vivos. São os que sabendo da morte decidem viver por acreditar no lance definitivo que tudo salve. A partir do momento em que se aceita a única e fatal certeza embarca-se numa aventura. Deixa-se de poder chamar as coisas pelos nomes, para não as assustar.
E o náufrago berra: azul escuro, ainda existo. Do lado de lá é tudo negro e silêncio. O simulacro que venderam ao desgraçado, o canto que lhe fizeram dos supra-mecanismos do mundo, não demonstra agora capacidade de resposta para os obstáculos da realidade física.
"Desde Laplace que o molecularismo estava na expectativa de que a micro-estrutura da matéria se iria revelar como repetição da macro-estrutura do universo. Era a suposição económica de que o sistema solar representava o princípio arquitectónico mais simples de todos os sistemas físicos. Deste modo, a aplicação de um processo idêntico no sub-mundo do definitivamente invisível parecia ser a realização de um princípio cósmico único. Tão naturalmente como a natureza fosse metáfora de tudo e de si mesmo, portanto. "Como se o entendimento que temos do invisivilmente pequeno nos pudesse, por projecção, esclarecer sobre o infinitamente grande.
"Por último, há que recordar historicamente a metáfora do fluxo do tempo que encontrou em Francis Bacon a sua aplicação destrutiva contra a assumpção de que a verdade seria filha do Tempo. Ora o tempo deixa que a corrente traga à nossa margem apenas aquilo que foi suficientemente leve para não se afundar no rio."
"Como eu gostaria de ver acontecer um grande naufrágio que lançasse para aí, ao pé de nós, um bom número de pessoas, porque então nós poderiamos contemplar à vontade as suas figuras extraordinárias. Não há nenhuma razão para que a inteligência não possa estar mais bem representada noutros sítios do que na Terra. Podia até ser que esses deuses extraterrestres fossem suficientemente hábeis para navegar até à superfície exterior do nosso ar e daí contemplar-nos por curiosidade ou pescar-nos como peixes... Porque eu só quero ter o prazer de ver aqueles que nos pescam."
É mentira! Deus não tem vontade nem ver. A vida interna de um espirito não admite a existência de um espectador soberano, mas apenas de visitas ocasionais e longínquas. A ideia de que a parte de dentro de um homem pode ser vista de cima e julgada é a armadilha panóptica das religiões que assim sustentam a sua própria omnipotência. Foi assim que se fundou o desastre da vigilância absoluta. Sem deus, somos abandonados às forças, às nossas e às dos outros. Podia ser bem pior.
Mas então com que pode contar um homem já pálido, no meio de um naufrágio, longe de todos os cálculos? Ao princípio hesita-se. Experimenta-se a perplexidade, substância cinzenta que resulta da mistura de tudo o que está no mundo. A perplexidade é o único processo químico capaz de tornar inesgotáveis pedaços de tempo e de espaço.
A perplexidade antecipa o algoritmo do mundo, a explicação órfica da terra. Percebendo num vislumbre que há instantes simples que quase revelam tudo, o náufrago desenvolve uma esperança. Mas a verdade foge sempre. E é essa a estaca em que os melhores homens se aguentam vivos. São os que sabendo da morte decidem viver por acreditar no lance definitivo que tudo salve. A partir do momento em que se aceita a única e fatal certeza embarca-se numa aventura. Deixa-se de poder chamar as coisas pelos nomes, para não as assustar.
E o náufrago berra: azul escuro, ainda existo. Do lado de lá é tudo negro e silêncio. O simulacro que venderam ao desgraçado, o canto que lhe fizeram dos supra-mecanismos do mundo, não demonstra agora capacidade de resposta para os obstáculos da realidade física.
"Desde Laplace que o molecularismo estava na expectativa de que a micro-estrutura da matéria se iria revelar como repetição da macro-estrutura do universo. Era a suposição económica de que o sistema solar representava o princípio arquitectónico mais simples de todos os sistemas físicos. Deste modo, a aplicação de um processo idêntico no sub-mundo do definitivamente invisível parecia ser a realização de um princípio cósmico único. Tão naturalmente como a natureza fosse metáfora de tudo e de si mesmo, portanto. "Como se o entendimento que temos do invisivilmente pequeno nos pudesse, por projecção, esclarecer sobre o infinitamente grande.
"Por último, há que recordar historicamente a metáfora do fluxo do tempo que encontrou em Francis Bacon a sua aplicação destrutiva contra a assumpção de que a verdade seria filha do Tempo. Ora o tempo deixa que a corrente traga à nossa margem apenas aquilo que foi suficientemente leve para não se afundar no rio."
"Como eu gostaria de ver acontecer um grande naufrágio que lançasse para aí, ao pé de nós, um bom número de pessoas, porque então nós poderiamos contemplar à vontade as suas figuras extraordinárias. Não há nenhuma razão para que a inteligência não possa estar mais bem representada noutros sítios do que na Terra. Podia até ser que esses deuses extraterrestres fossem suficientemente hábeis para navegar até à superfície exterior do nosso ar e daí contemplar-nos por curiosidade ou pescar-nos como peixes... Porque eu só quero ter o prazer de ver aqueles que nos pescam."
Mistério Quântico
O gato de Schrödinger está morto!
Apresentação
A Filosofia criou, a Física tenta explicar. Aqui vamos nós...
Ao princípio eram as imagens
Depois veio o pensamento e só depois o verbo. Somos o momento em que o espírito da natureza se pensa. No algoritmo do mundo juntam-se um físico e um metafísico (estamos a negociar o passe de um químico) para encontrar (interessa-nos pouco a procura) o Santo Graal dos filósofos, a salvação da humanidade: a explicação órfica da terra.